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Heather Richardson: "A negação da morte é um dos maiores desafios na prestação de cuidados paliativos a mais pessoas"

Após uma ativa participação na 2ª Guerra Mundial, o Reino Unido – devastado por intensos bombardeios, principalmente em sua capital (Londres) e cidades portuárias – se recuperava, lentamente, nos campos econômicos e sociais.

O National Health System (NHS), sistema de saúde pública similar ao Sistema Único de Saúde (SUS), foi criado apenas 3 anos após o fim dos combates, atendendo a milhares de cidadãos. Porém, para alguns, esse cuidado não era o bastante. O sistema de saúde não prestava a devida atenção a pacientes com doenças graves ou terminais, assim como não havia, ainda, um entendimento acerca do alívio da dor e do sofrimento psicológico resultante da doença e tratamento. Poucos anos depois, uma enfermeira começaria uma importante mudança nesse cenário de desalento.

Cicely Saunders, uma inglesa nascida em 22 de junho de 1918, foi a responsável pela criação do St. Christopher’s Hospice, em Londres, no ano de 1967. A instituição atendia a pacientes de forma gratuita e integral, preenchendo as lacunas deixadas pelo NHS. Além de enfermagem, Saunders se graduou em assistência social e medicina, sendo a responsável por livros e artigos que servem, até hoje, de referência para paliativistas no mundo inteiro. Ela faleceu em 2005, sendo tratada no mesmo local que criou.

O St. Christopher’s Hospice é reconhecido como um dos principais serviços em cuidados e medicina paliativa. Ainda hoje, também recai sobre ele a marca de ter sido a primeira instituição a atuar com o que hoje conhecemos como Cuidados Paliativos modernos, ancorados em equipes multiprofissionais e de maior complexidade, além do constante comprometimento com o atendimento clínico, pesquisa e educação. A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) se interessa por essas características do St. Christopher’s, em novembro de 2018 recebeu o médico Rob George, diretor médico do St. Christopher Hospice entre os palestrantes internacionais do VII Congresso Internacional Cuidados Paliativos da ANCP, e agora conversou com eles de forma exclusiva sobre as atividades da instituição.

REFERÊNCIA MUNDIAL

“O St. Christopher’s Hospice é uma referência mundial quando o assunto é cuidado paliativo e todo o trabalho de pesquisa ao longo desse tempo”, pontuou a chefe executiva interina da instituição, Heather Richardson. Mesmo assim, ela reconhece que muitas pessoas ainda são privadas de ter uma experiência de fim de vida digna. “Trabalhamos duro para identificar os indivíduos em risco de marginalização ou exclusão, e daí trabalhar principalmente com eles para planejar e entregar serviços e suporte que reflitam suas preferências e permitam alcançar melhores resultados no fim de vida. Ver pessoas como seres humanos, como cidadãos com direitos a um bom fim de vida é um importante princípio de nosso trabalho”, ressalta Richardson.

Hoje, o St. Christopher’s Hospice conta com milhares de pessoas em sua equipe, justamente para atender a todos de forma equânime. “Temos cerca de 500 colaboradores pagos e mais de 1000 voluntários que trabalham com cuidados, educação e geração de renda para permitir que o St. Christopher’s consiga fazer tudo o que faz. A maior parte de nossa equipe é focada em cuidados e, desse grupo, a maioria atua em enfermagem. Predominantemente nosso cuidado acontece nas casas das pessoas e em casas de cuidados. As pessoas se surpreendem ao descobrir que menos de 20% de nossos pacientes diretos são atendidos em nossas enfermarias de internação!”, conta a chefe executiva.

UMA VISÃO DIFERENCIADA DOS CUIDADOS PALIATIVOS

Questionada a respeito da associação incorreta entre cuidados paliativos e eutanásia que ocorre no Brasil, Heather Richardson explica que as coisas por lá são um pouco diferentes. “O cuidado paliativo é normalmente reconhecido como algo bom no Reino Unido, apesar de muitas pessoas não conseguirem ter acesso a isso – o que colabora para elevar a crítica de que isso (cuidados paliativos) não é suficientemente inclusivo ou acessível. Raramente é confundido com eutanásia, mas há algumas poucas ocasiões onde famílias acham que os tratamentos de cuidados paliativos resultaram em uma morte antecipada quando comparada a outros meios. Isso dito, nós temos muito a ensinar ao público sobre cuidado paliativo”.

Assim como na maior parte do mundo, a pandemia de Covid-19 parece ter criado uma nova concepção sobre o fim de vida também no Reino Unido. Richardson diz que os paliativistas devem absorver isso como um aprendizado. “As primeiras ondas de Covid-19 no Reino Unido ajudaram nossa sociedade a reconhecer que a morte é uma possibilidade muito real para muitas pessoas, e que é algo a ser encarado, não ignorado. Devemos aproveitar isso, pois a negação da morte é um dos maiores desafios na prestação de cuidados paliativos a mais pessoas em tempo hábil”.

ELO COM O NHS, FINANCIAMENTO PÚBLICO E PRIVADO

O St. Christopher’s Hospice possui uma ligação essencial com o NHS. Segundo a chefe executiva da instituição, essa conexão facilita que mais pessoas tenham acesso aos cuidados paliativos. “Nós recebemos financiamento do NHS e temos algumas responsabilidades, como resultado de participar do sistema de saúde. Vem dele o maior número de encaminhamento de pacientes para o hospice – normalmente via hospital e também de serviços de atenção primária. O NHS é excelente no encaminhamento de pessoas com câncer e está melhorando no encaminhamento de pessoas com outras condições, como por exemplo, fragilidade, falência de órgãos e doenças circulatórias”, detalha Heather Richardson. Ela completa que, para manter tudo funcionando bem, a instituição também conta com outras fontes de receita. “Nossos fundos provém de doações e investimentos estatutários. Nossos doadores incluem pessoas comuns, empresas, fundos (de investimentos) e fundações”.

FOCO NO FUTURO

Recentemente, o hospice inaugurou um novo centro educacional voltado ao conhecimento e diálogo sobre a terminalidade da vida e da morte em si. O Centro de Conscientização e Resposta no Fim da Vida, ou Centre for Awareness and Response at End of Life (CARE). “Esse centro é parte vital de nosso futuro. Emocionante. Ele oferece educação e treinamento ao público, pacientes e familiares, assim como a profissionais, e será fundamental para aumentar o acesso aos cuidados. Estamos entusiasmados com as oportunidades oferecidas pelo St. Christopher’s CARE e investiremos fortemente no trabalho de educação, pesquisa e desenvolvimento de políticas, avançando com a prestação de cuidados e apoio”, diz Richardson, que completa: “Impulsionar a mudança em termos de ação social e avanços tecnológicos são prioridades”.

ODE AO PASSADO

É impossível conversar com uma pessoa tão ligada aos cuidados paliativos e ao St. Christopher’s Hospice e não falar mais e mais sobre Cicely Saunders. A chefe executiva da instituição lembra que o trabalho da maior referência na área ainda rege a atuação dos profissionais do hospice nos dias de hoje. “Dra. Saunders teve uma forte agenda de justiça social e isso continua a nortear nosso trabalho. Mesmo tanto tempo depois, a memória e os feitos de Cicely Saunders continuam a inspirar pessoas ao redor de todo o mundo. Você acredita que a história de Saunders contribui para a constante evolução e reconhecimento do St. Christophers’ como um centro humanista para a saúde?”, questiona Heather Richardson.

Sim, nós acreditamos.

Fonte: ANCP - Academia Nacional de Cuidados Paliativos

Imagem: LPETTET/Istock