A entrevista ocorreu em um fim de tarde, na residência do Dr. P., que havia falecido quatro dias antes. Eu estava um pouco receosa, mas a vontade expressa da esposa e da filha de conversar comigo me deixou mais confortável. A esposa, Sra. A., estava muito à vontade em falar. Sua fluidez mostrava uma segurança e tranquilidade genuínas, uma certeza de que havia feito o melhor pelo marido. A filha também compartilhava dessa paz, apesar da tristeza que ambas sentiam.
Nossa conversa começou com elas contando como o Dr. Rodrigo entrou em suas vidas. A esposa, enfermeira, e a filha, advogada, nunca haviam tido contato com cuidados paliativos. Dr. P. estava com Alzheimer há sete anos, e a doença limitou bastante suas atividades diárias, especialmente para alguém que sempre teve uma vida profissional intensa.
Quando Dr. P. contraiu uma broncopneumonia, foi internado no hospital por 20 dias, e tudo se complicou ainda mais. Sra. A. relembrou: "Nós achávamos que ele ia morrer naquele período." Ela confiava no médico e aceitava suas recomendações sem questionar, mesmo quando se tratava de decisões difíceis, como a COLOCAÇÃO DE ALIMENTAÇÃO ENTERAL.
Para Sra. A. e sua filha, a sonda foi um divisor de águas. Dr. P. nunca mais foi o mesmo após sair do hospital. Ele saiu debilitado, e Sra. A. descreveu esse momento como o primeiro luto que viveu com o marido, dois anos antes de seu falecimento.
Após a alta hospitalar, tornou-se inviável cuidar de Dr. P. em casa devido à necessidade de acompanhamento intenso. Ele já não falava, e a filha disse à mãe que não havia condições de mantê-lo em casa. "Eu já tinha cuidadores à tarde, de manhã e de noite eu ficava com ele. E já estava ficando difícil," contou Sra. A.
Diante dessa situação, a família optou por buscar uma casa geriátrica que pudesse atender Dr. P. adequadamente. Nesse novo contexto, surgiram dúvidas sobre se estavam fazendo o melhor por ele. Foi então que receberam informações sobre cuidados paliativos. A mãe de uma amiga estava sendo atendida em São Paulo e estava muito satisfeita com os resultados. Sra. A. e sua filha começaram a estudar e entender mais sobre esse tipo de atendimento.
O primeiro contato com o Dr. Rodrigo foi marcante. Sra. A. relembrou: "Uma coisa que me marcou muito na primeira consulta foi quando Rodrigo perguntou: 'Eu não quero saber quem é o Dr. P. que estou vendo agora, eu quero saber quem ele era antes.' Ele perguntou as três coisas que Dr. P. mais gostava, e eu sempre brinco, claro que elas se misturam, mas eu disse que em primeiro lugar comer, em segundo lugar trabalhar, e em terceiro lugar a família. Mas são as três coisas, não precisa estar sempre uma no primeiro plano."
Essa pergunta trouxe à tona uma dolorosa consciência sobre a realidade de Dr. P. com a sonda, um futuro que parecia mais um sacrifício do que uma solução. Sra. A. refletiu: "Eu acho que comer era muito importante para ele, e vendo pacientes com sonda, aquilo não era para ele. Eu imaginava o Dr. P. com aquela sonda e pensava, meu Deus do céu, isso é padecer de um sacrifício durante a vida? Por menos que ele entendesse, eu tenho certeza que ele ia sentir."
A jornada de Dr. P. foi marcada por desafios, desde a decisão contra a sonda até as mudanças em sua dieta para acomodar sua dificuldade crescente em engolir. Cada decisão foi tomada com cuidado, considerando o que era melhor para ele, mantendo sua dignidade e qualidade de vida no centro de tudo. A equipe médica, liderada por Rodrigo, ofereceu apoio e orientação, adaptando tratamentos para atender às suas necessidades em constante mudança.
A equipe como um todo encantou tanto a mãe quanto a filha. Relatos como a emoção da fonoaudióloga eram diferenciais de atendimento que fizeram a diferença. Sra. A. contou: "Eu só vou te dar um exemplo, a fonoaudióloga, que faz parte da equipe do Rodrigo, disse: 'O que tu está me contando agora está me arrepiando.' Ela fez parte emocional, além do profissional, de todo o atendimento, e isso mexeu com a família e o paciente de tal forma que os cuidados paliativos eram o melhor que eles poderiam oferecer para o Dr. P. neste momento da vida."
Um momento bastante emocionante na nossa conversa foi o relato de Sra. A. sobre a última Páscoa: "Mesmo que o neurologista QUE O ATENDIA tenha dito que o paladar do Dr. P. não ERA MAIS PERCEBIDO POR ELE, eu questionei. Então assim... Mas não, né? Não, isso aí é comprovação, né? Pelo amor de Deus.
Eu levei o peixe, que eu cozinhei com todo os temperos que ele sempre gostou, era domingo de Páscoa, quando eu dei a primeira colherada do peixe, ele começou a chorar, eu dei a segunda, e ele chorou também, se emocionou. Eu disse, o Dr. P. não sabe o meu nome, não fala, provavelmente não sabe que sou eu que estou dando, e o que despertou nele? A emoção através do sabor. Olha o quanto comer é importante para ele. E o quanto que a gente não sabe, né? Porque essa história assim, ah não, ele não vai nem sentir, não vou fazer porque ele não vai nem sentir."
São muitas as narrativas que ouvi de Sra. A. e sua filha, que comprovam que todas as escolhas realizadas tinham um único propósito: preservar a dignidade DA VIDA do Dr. P.